O jardim estava particularmente aprazível na noite gélida, com as estrelinhas brilhando mais do que nunca no céu invernal.
Avisei aos gatos:
"Hoje teremos aqui o Odalisco para uma entrevista imaginária..."
O Cheshire apareceu em volta do sorriso, de olhos arregalados: "...e para que raios você pretende que venha aqui aquele farsante maroto, me diga? Quero uma explicação minimamente convincente! Não sei se você notou, mas ele anda copiando o seu estilo: agora deu pra usar "neguim", termo do dialeto carioquês. Não demora vai começar a se dirigir aos desafetos como "meu chapa" - aliás, uma expressão que eu particularmente sempre considerei abominável e nunca aprovei que você usasse."
Eu ignorei a crítica.
"Deixa de ser chato, Ches. Talvez ele tenha algo a dizer que a gente não tenha ainda ouvido."
A gatinha de pelagem tartaruga desceu do galho em que estava encarapitada e subiu, com um pulo gracioso, no banco em que eu estava sentada: "Você por acaso está com dor de cabeça? O homenzinho já disse que tem um método infalível para curar enxaquecas, que consiste em você olhar nos olhos de um gato. Pode olhar nos meus, se quiser. Não precisa chamar o sujeito para ensinar a técnica: embora seja uma idiotice total, me parece fácil, se você quiser tentar."
O angorá gordo nem levantou a cabeça para miar, com voz rouca: "Só tem imbecil neste mundo. Tome uma aspirina, for Pete's sake! Não precisa chamar aquele cretino pra fazer palhaçada."
"Eu não estou com dor de cabeça nenhuma", eu protestei. "Só queria saber se ele de fato tem alguma coisa a dizer."
"Até parece..." - retrucou o angorá, se espreguiçando - "Bom, por mim pode chamar quem você quiser e bem entender. Não pretendo acordar de novo. E vê se o caboco fala baixo: ele vocifera, não fala... Muito desagradável."
"Terrivelmente deselegante", completou a tartaruguinha, lambendo a pata direita.
O gato negro, que estava sumido na ramaria de uma árvore alta, meteu a cabeça arrepiada entre as folhas: "Também não acho uma boa idéia. Aquele camarada tem pavor de nós, e além do mais eu não suporto o cheiro que ele exala. Se me irritar, eu pretendo arranhá-lo" - e, com isso, desembainhou as unhas de uma das patas, mostrando as pequenas navalhas afiadíssimas - "Depois não venha dizer que eu não avisei."
Um som que parecia de flauta e alaúde, acompanhado de uma batida surda, surgiu ao longe, na escuridão.
"Tarde demais para reclamações", eu disse. "Ele está entrando pelo portão do jardim secreto. Comportem-se!"
O gato negro sumiu entre a folhagem, miando ameaçadoramente. A gatinha tartaruga pulou para o alto do muro, e o Cheshire apagou-se inteiramente, inclusive o sorriso. Só velho angorá, cumprindo a promessa, continuou dormindo placidamente. Dois siameses gêmeos, com os olhos azuis arregalados, surgiram da sombra, acompanhando o ritmo do tabal: "Mas o que vem a ser ISTO, a estas horas da noite?!"
Eu só disse "PSCHIIIUUU!", mandando-os calar, e fiquei aguardando.
Até que me apareceu, enfim, do meio das trevas, o velho Odalisco - ele mesmo...
(continua)
Ahahahaha! Não pare,Leoa, muito bom.
ResponderExcluirMuito bom! Mas suponho que "neguim" seja mineirice do Henfil, ou do Ziraldo que também cunhou "Minduim" (Peanuts), enfim, dos mineirins instalados no Pasquim que enriqueceu o ipanemês no início dos 70... abraço!
ResponderExcluirContinue, continue...
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